domingo, 14 de setembro de 2014

A Arte da Conquista



George era diferente. Autêntico, digamos, mas não era visto assim. Evidente que os populares da escola o achavam estranho, mas por que se importar. Sua mãe e seu padrasto tentaram de tudo para "consertá-lo", em vez de aprenderem algo com ele. Eu, particularmente, me identifiquei com George mais que com qualquer outra pessoa. Ele parecia contar a minha história, mas eu estava longe da sua realidade.

Era mestre em ignorar as tarefas acadêmicas, alegando que tinha coisas mais importantes a fazer com seu tempo. Sinceramente, não sei como alguém pode discordar. Desenhava nos livros de trigonometria, tornando-os infinitamente mais interessantes. Raramente matava aulas, para que fazê-lo nunca perdesse a graça.

Pessoas comuns têm medo de doenças, dor, morte. George tinha medo da vida. Não era suicida, só temia vê-la passar enterrado em trabalho e relações vazias. Ao matar aulas, nunca ia ao mesmo lugar. Buscava experiências que o agregassem cultura, para fazer valer aquele tempo. Observava a cidade sentindo-se uma peça longe do tabuleiro.

Não por opção - era apenas um fato.

Um dia, George conheceu Sally no terraço da escola. Era uma das populares, mas nunca pediu por essa classificação. Ela agradeceu o cigarro e ele a acompanhou até sua casa. Não sei você, mas eu sei onde essa história termina. Ele não sabia, mas sentiu que devia evitar. Tentou, mas falhou. Claro que falhou.

Ele queria começar a pintar quadros, mas sempre que achava que sabia o que pintar, logo vinha o sentimento de que não estaria expressando nada verdadeiro. Tentando ser alguém que não era. E desistia, por ser incapaz de transformar mentiras em arte. Precisava antes encontrar sentido no seu caos interior. Encontrar algo a dizer.

Conheceu um pintor, e achou que era a única pessoa legal que conhecera na vida. Dustin dizia que a dificuldade de saber o que pintar era um bom sinal. Que cada pintura era um processo de morte e renascimento. Disse também que se George ainda não gostasse de Sally, deveria.

George nunca se sentiu superior. Na verdade, sentia que não era ninguém. Sally mudou isso com o tempo, sem saber. Ele passou a ter companhia na mesa do refeitório. Passou a tentar dedicar-se aos estudos.

Até que ela o convidou para uma festa.

Uma aventura necessária aos desviantes, ao menos uma vez. Esquecer a misantropia e arriscar um avanço naquele romance tão claramente impossível. George contava com Sally para ser seu centro de gravidade e ajudá-lo a aturar os figurantes.

Eu nunca vim num lugar desses, ele dizia. Não acreditei nem por um segundo quando ela lhe disse para não se preocupar e prometeu não perdê-lo de vista. Ah, eu entendo dessas coisas. Diferente de Sally, George não foi feito pra dançar. Tentou um pouco, mas logo foi substituído.

Aquela miserável traidora e sádica.

Dizia a todos que eram só amigos. Mas este, Sally, é justamente o problema — responderam. Não escapou aos olhos de ninguém os olhares que George direcionava a ela. E ela tentava convencer a si mesma de que não se tornaria a sua mãe, brincando com emoções diariamente.

Ao menos ela o levou pra casa, depois que ele vomitou e desmaiou na calçada.

Saíram juntos no Dia dos Namorados. Ele detestava aquela palhaçada consumista. Além de estar se sentindo apenas o mais novo dos vários desmiolados que se sentaram frente à Sally naquela data. Não demorou até ela começar a fazer perguntas constrangedoras, e eu me perguntava por que ele não se levantava e ia embora. Na medida que Sally falava "você é meu único amigo de verdade, odiaria estragar isso", pude ver as facas saindo de sua boca e atingindo o peito de George. Aquela miserável traidora e sádica.

Enfim, ele foi embora. Não atendia nem retornava as ligações de Sally, o que eu acreditava ser bastante inverossímil. Ou George era mais esperto que eu, no fim das contas. Prendeu-se à cama e perdeu a força que havia conseguido para dedicar-se aos estudos.

Quando finalmente a reencontrou, beijou-a. Ela esperou uns segundos antes de afastá-lo e abrir a porta. Dustin não pediu desculpas porque sabia o quanto isso seria patético. George olhou para Sally e virou as costas.

Aquela miserável traidora e sádica.

Ele resolveu estudar, como forma de distração. Seu professor de artes esperava uma pintura que gritasse "George" pela sala. Que viesse de dentro. Que fosse verdadeira. E ele começou.

Me orgulhei de George como acho que nunca vou me orgulhar de mim mesmo. Logo quando achei que ele fosse apenas um espelho. Finalmente uniu a motivação ao seu talento. Teve a coragem que eu nunca tive.

Sally disse que precisava vê-lo. Precisava de um amigo. Ele concordou, relutante. Pude sentir seu rosto queimar quando ela disse que iria para a Europa com Dustin. Sua voz mal saiu ao dizer que a amava. Senti sua mão queimar quando ela a tocou. E não a soltou enquanto caminhavam.

A dor diminuiu devagar. George percebeu que o injusto era ele, por não ter dito que a amava antes. "Aquela miserável traidora e sádica". Ambos sabiam que ficariam juntos um dia. Quando resolvessem seus problemas, principalmente os internos.

"Eu também te amo".

George entregou suas tarefas atrasadas. Sua pintura gritava seu nome. Expressava uma verdade simples. O diretor chamou seu nome na formatura. "Tudo é possível". É estranho perceber que clichês como esse às vezes se encaixam na vida de pessoas tão longe do normal.

Sally não conseguiu passar do portão de embarque. Encontrou George na sala de artes, encarando a própria pintura. Postou-se ao seu lado e olhou para si mesma. Nada mal, ela disse.

Nada mal.



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Inspirado no filme The Art of Getting By.