segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Autossuficiência




Me pergunto se você está sendo forte. Se está se controlando. Ainda me preocupo, e sou incapaz de controlar minhas palavras. Não veja minhas palavras.

Está mantendo distância?

Deveria.

Não tenha esperanças. Sei que você diz não ter, mas não sei se acredito. Esperar é perigoso. Mas te entendo. Tenho dúvidas às vezes.

Não tenha esperanças.

Ando vazio, mesmo com tudo isso à minha volta. Simplesmente não parece ser o suficiente. E não é fácil transformar o vazio em algo como arte, mas preciso aprender. Ver algo onde não há nada. Escrever sobre a falta de escrita. Cantar sobre a ausência.

Quero arrancar poesias de um buraco negro.

Eliminar então aquelas dúvidas, e aprender a viver comigo. Não posso fugir de mim.

Mas você pode.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Voltas



Vez ou outra, reencontro pessoas que pensei já terem sido engolidas pelo passado. Colocado em circunstâncias onde a interação com elas é possível às vezes, inevitável ,  penso em como o mundo realmente dá voltas.

Mas ainda não deu a volta que eu queria. Pessoas que não esqueci, ou com quem acredito ter assuntos inacabados, e gostaria de reencontrá-las. Dizer aquelas frases perfeitas que nunca vêm à mente no momento certo, e terminar tudo à minha maneira ou ganhar uma nova chance. Ou simplesmente retomar uma amizade. 

Relembro as histórias, tanto as boas quanto as ruins, todas inesquecíveis. Não se trata de viver no passado, mas de trazê-lo comigo quando convém. Quero descobrir como anda o presente daquele passado, e se esse presente ainda se lembra do passado como eu me lembro. Se teve a mesma importância.

Tenho uma certa necessidade de ser lembrado.

Certas coisas não merecem o completo esquecimento. Certas coisas são valiosas, mudam visões, mudam pensamentos, e deixá-las pra trás não vale a pena. Mas às vezes, uma volta vazia do mundo era o que faltava para perpetuar uma experiência, uma fase, uma pessoa.

Ou perpetuar o próprio vazio.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A Caixa Negra



Não se sabe se era neste ou em outro plano. Sabe-se que havia aquela caixa negra, estreita e sem fim, tida como uma prisão sobrenatural.

Uma prisão para a mente.

Foi onde ele acordou, se é que dormia, e não precisou abrir os olhos para saber onde estava. Encontrava-se de pé e incapaz de movimentar-se. As paredes negras e frias quase coladas ao corpo transmitiam a agoniante sensação de sufocamento. Até o silêncio era enlouquecedor, ao permitir que sua mente gritasse desesperadamente, tentando controlar o caos. Sabia que não havia saída e aceitava esse fato. 

Só não aceitava os motivos.

Não havia espaço para alucinações. Fora subitamente condenado a uma realidade eternamente sufocante e lucidamente insana. E por alguma razão, era incapaz de perder os sentidos. Buscou sua vida nas memórias mas não viu nada. Era como se nunca tivesse existido, ou sempre fizera parte daquela caixa escura, infinita e imóvel. Existindo sozinho onde nem mesmo o tempo o acompanhava, ainda tentou definir o que sentia, uma emoção qualquer. Já não sabia mais se tinha os olhos abertos ou fechados na escuridão absoluta.

Só lhe restava pensar. Teve tempo de desvendar mistérios sozinho; acreditava até mesmo ter descoberto como havia parado ali. As imagens pareciam cada vez mais reais, como se criasse outra realidade.

E criou. Caminhou pelo seu passado antes obscuro, e agora palpável. Tornou-se um espectador de sua própria vida, revendo cada momento nitidamente. Sentindo tudo outra vez. Emoções frias de uma vida vazia. Sentiu sono, como num filme ruim. Sentiu pena. Era tudo tão descartável. Viu-se escravo do tempo e do dinheiro. Viu a morte e as três pessoas que a lamentaram. Viu as palavras na lápide.

Um espectador da própria vida.

domingo, 14 de setembro de 2014

A Arte da Conquista



George era diferente. Autêntico, digamos, mas não era visto assim. Evidente que os populares da escola o achavam estranho, mas por que se importar. Sua mãe e seu padrasto tentaram de tudo para "consertá-lo", em vez de aprenderem algo com ele. Eu, particularmente, me identifiquei com George mais que com qualquer outra pessoa. Ele parecia contar a minha história, mas eu estava longe da sua realidade.

Era mestre em ignorar as tarefas acadêmicas, alegando que tinha coisas mais importantes a fazer com seu tempo. Sinceramente, não sei como alguém pode discordar. Desenhava nos livros de trigonometria, tornando-os infinitamente mais interessantes. Raramente matava aulas, para que fazê-lo nunca perdesse a graça.

Pessoas comuns têm medo de doenças, dor, morte. George tinha medo da vida. Não era suicida, só temia vê-la passar enterrado em trabalho e relações vazias. Ao matar aulas, nunca ia ao mesmo lugar. Buscava experiências que o agregassem cultura, para fazer valer aquele tempo. Observava a cidade sentindo-se uma peça longe do tabuleiro.

Não por opção - era apenas um fato.

Um dia, George conheceu Sally no terraço da escola. Era uma das populares, mas nunca pediu por essa classificação. Ela agradeceu o cigarro e ele a acompanhou até sua casa. Não sei você, mas eu sei onde essa história termina. Ele não sabia, mas sentiu que devia evitar. Tentou, mas falhou. Claro que falhou.

Ele queria começar a pintar quadros, mas sempre que achava que sabia o que pintar, logo vinha o sentimento de que não estaria expressando nada verdadeiro. Tentando ser alguém que não era. E desistia, por ser incapaz de transformar mentiras em arte. Precisava antes encontrar sentido no seu caos interior. Encontrar algo a dizer.

Conheceu um pintor, e achou que era a única pessoa legal que conhecera na vida. Dustin dizia que a dificuldade de saber o que pintar era um bom sinal. Que cada pintura era um processo de morte e renascimento. Disse também que se George ainda não gostasse de Sally, deveria.

George nunca se sentiu superior. Na verdade, sentia que não era ninguém. Sally mudou isso com o tempo, sem saber. Ele passou a ter companhia na mesa do refeitório. Passou a tentar dedicar-se aos estudos.

Até que ela o convidou para uma festa.

Uma aventura necessária aos desviantes, ao menos uma vez. Esquecer a misantropia e arriscar um avanço naquele romance tão claramente impossível. George contava com Sally para ser seu centro de gravidade e ajudá-lo a aturar os figurantes.

Eu nunca vim num lugar desses, ele dizia. Não acreditei nem por um segundo quando ela lhe disse para não se preocupar e prometeu não perdê-lo de vista. Ah, eu entendo dessas coisas. Diferente de Sally, George não foi feito pra dançar. Tentou um pouco, mas logo foi substituído.

Aquela miserável traidora e sádica.

Dizia a todos que eram só amigos. Mas este, Sally, é justamente o problema — responderam. Não escapou aos olhos de ninguém os olhares que George direcionava a ela. E ela tentava convencer a si mesma de que não se tornaria a sua mãe, brincando com emoções diariamente.

Ao menos ela o levou pra casa, depois que ele vomitou e desmaiou na calçada.

Saíram juntos no Dia dos Namorados. Ele detestava aquela palhaçada consumista. Além de estar se sentindo apenas o mais novo dos vários desmiolados que se sentaram frente à Sally naquela data. Não demorou até ela começar a fazer perguntas constrangedoras, e eu me perguntava por que ele não se levantava e ia embora. Na medida que Sally falava "você é meu único amigo de verdade, odiaria estragar isso", pude ver as facas saindo de sua boca e atingindo o peito de George. Aquela miserável traidora e sádica.

Enfim, ele foi embora. Não atendia nem retornava as ligações de Sally, o que eu acreditava ser bastante inverossímil. Ou George era mais esperto que eu, no fim das contas. Prendeu-se à cama e perdeu a força que havia conseguido para dedicar-se aos estudos.

Quando finalmente a reencontrou, beijou-a. Ela esperou uns segundos antes de afastá-lo e abrir a porta. Dustin não pediu desculpas porque sabia o quanto isso seria patético. George olhou para Sally e virou as costas.

Aquela miserável traidora e sádica.

Ele resolveu estudar, como forma de distração. Seu professor de artes esperava uma pintura que gritasse "George" pela sala. Que viesse de dentro. Que fosse verdadeira. E ele começou.

Me orgulhei de George como acho que nunca vou me orgulhar de mim mesmo. Logo quando achei que ele fosse apenas um espelho. Finalmente uniu a motivação ao seu talento. Teve a coragem que eu nunca tive.

Sally disse que precisava vê-lo. Precisava de um amigo. Ele concordou, relutante. Pude sentir seu rosto queimar quando ela disse que iria para a Europa com Dustin. Sua voz mal saiu ao dizer que a amava. Senti sua mão queimar quando ela a tocou. E não a soltou enquanto caminhavam.

A dor diminuiu devagar. George percebeu que o injusto era ele, por não ter dito que a amava antes. "Aquela miserável traidora e sádica". Ambos sabiam que ficariam juntos um dia. Quando resolvessem seus problemas, principalmente os internos.

"Eu também te amo".

George entregou suas tarefas atrasadas. Sua pintura gritava seu nome. Expressava uma verdade simples. O diretor chamou seu nome na formatura. "Tudo é possível". É estranho perceber que clichês como esse às vezes se encaixam na vida de pessoas tão longe do normal.

Sally não conseguiu passar do portão de embarque. Encontrou George na sala de artes, encarando a própria pintura. Postou-se ao seu lado e olhou para si mesma. Nada mal, ela disse.

Nada mal.



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Inspirado no filme The Art of Getting By.

domingo, 24 de agosto de 2014

Drama




Pra onde foram os amores impossíveis, as esperas angustiantes, as saídas dramáticas? É estranho sentir saudades daquele leve sofrimento jovem. Ver o sol nascer sem perceber que a noite se perdeu entre cenários perfeitos, imaginados por um coração partido. E saber, então, que viriam muitas outras noites assim.

Pra onde foram os momentos constrangedores, os olhares carregados e as caminhadas solitárias? Tudo envolto em um desejo egocêntrico de poder produzir uma fotografia que representasse tantas emoções juntas. Que mostrasse a casa vazia, a música triste, o único lugar ocupado na mesa. Poderíamos ver as injustiças caídas sobre alguém que não tinha nada além de boas intenções.

A conquista morreu nas mãos daqueles que cansaram de procurá-la. Ela própria havia se cansado de esperar. Sumiram as decepções, os encontros, as palavras profundas. As lágrimas secaram e tudo ficou cada vez mais raso.

Talvez seja a idade. A falta de tempo para o drama. Ele vive somente nas músicas, nos filmes e nos livros, pois ninguém mais tem espaço para vivê-lo. As preocupações são outras, embora ninguém perceba que são infinitamente menos relevantes.

Talvez não. Talvez seja só a visão distorcida de um coração amargurado.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Alegrias impossíveis



Sei onde sua mente está. Sei onde ela tem passado os últimos dias, até meses. Anda vagando bem longe da sua casa, enquanto você decide se tenta trazê-la de volta ou não.

Seus pensamentos não deveriam estar tão longe. Sei o que os atraiu, e infelizmente não foi sem querer. Mas agora se sente confusa, pois as alegrias que sua mente busca estão fora de alcance. E se as pudesse ter, trariam tristezas. Você está presa num dilema bobo, causado por químicas conflitantes.

 Às vezes você fraqueja e desobedece a razão. Pega o telefone e disca os números proibidos. Depois do desabafo e das histórias antigas, vai dormir sentindo-se mais leve. Ao menos enquanto a consciência não pesar, quando sua mente voltar pra casa por um instante.

Mas ela logo viaja outra vez, sonhando com o que não pode ter.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Cinzas, copos e lembranças



Ela sentia falta do desajuste, das situações desconfortáveis, das desilusões. A aventura que era buscar alguém igualmente desajustado.

Já quase não sabia mais o que era sentir-se assim. Acomodou-se, feliz com o que tinha, mesmo querendo mais. Preferia os momentos às pessoas. Eram mais simples e quase não carregavam responsabilidades — características que se encaixavam perfeitamente à sua personalidade.

Mas depois de tantas alegrias e tristezas tristezas principalmente — espremidas em seus vinte e poucos anos, cansou de amar. Abusara do sentimento por toda sua vida, experimentara todas as suas formas e descobriu enfim que não era como queria viver. Ela desistiu do romantismo como quem se cansa de uma música.

Entregou-se ao quarto vazio, carregado de cinzas, copos pela metade e lembranças. Ao se deixar levar pelo folk melancólico que saía do celular jogado na cama, pôde finalmente voltar a sentir as idéias fluindo. Terminou desenhos que havia abandonado, retratando paixões do passado. Começou outros, que mostravam multidões de pessoas solitárias.

Os livros de ficção voltaram a alimentar suas madrugadas. Cada história era uma morte e um renascimento. Aliviavam o terror que era pensar no futuro. E quando não lia, pensava em fugir. Aquele lugar não servia mais, nem aquelas pessoas. 

Sua ambição era transcendental. O que desejava ser e fazer não cabia em seu pequeno corpo. Adoraria transformar todas as histórias que leu em uma só, e vivê-la.

E ninguém a impediria de tentar.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Não era amor




É engraçado quando perguntam algo já sabendo a resposta. No fundo, esperam uma resposta diferente, uma surpresa. Mas ela não vem. Somos todos previsíveis.

Por isso ele veste interrogações e a olha de longe, quando já está mais perto do que deveria. Foge das previsões, bate na porta das inspirações, mas ainda busca as palavras-chave para impressionar. Só que ela também veste interrogações, foge das suas palavras e o deixa desarmado.

O que lhe sobra são devaneios noturnos sobre os dias frios que se seguem. A história não é longa, então uma mesma frase se repete por várias horas de roteiro sem ação. A ação, por sua vez, quase não passa de uma série de olhares.

Mas são olhares que atingem a alma. Olhos que não se cansam do que vêem, nem de tentar atravessar as interrogações. E tampouco sabem quando parar, pois são correspondidos.

O olhar dela também o acompanha, embora ela negue para si mesma. Não entende totalmente o que vê, mas lhe faz bem. Anseia por sua presença, que carrega consigo uma calmaria de dias chuvosos e uma vontade de fugir.

Mas não há fuga de tal situação. Seu fim é incerto, mas previsível como nós. As versões criadas na imaginação não aconteceriam, pois seria trágico antes de ser bonito. E mesmo assim, seguiam se observando.

Não era amor que os ligava, mas era tão forte quanto. 

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Observando



Já faz um tempo desde a última vez que parei para observar. Admirar ruas vazias e estrelas frias que passam pela janela. Um costume de melancolia noturna, na sua época de constância.

Observava esperando uma resposta às minhas perguntas silenciosas. Talvez o vento a traria. Esperei inconsciente na varanda fria, acreditando que não importava. Não me importava. Ocupava a mente com canções sobre saudades, tantas que eram. Cansado de tentar antecipar o futuro, deixei que viesse sozinho enquanto observava o passado de longe.

E o futuro veio, incerto e discreto, quase passando por mim. Riu dos meus planos e me deu um melhor — algo tão raro que ainda não sei se acredito. Trouxe também a resposta que eu esperava, e me pôs a buscar elementos para descrevê-la. Deu um fim à constância da melancolia noturna.

Agora, as noites são preenchidas com alegrias compartilhadas constantemente, sem espaço para uma olhada triste pela janela. Deixei de observar as ruas vazias para percorrê-las acompanhado. Deixei de admirar solitário as estrelas para conversar sobre elas. Divido tudo o que me agrada e me sinto completo. Entre novas músicas, um solo para o passado e duas vozes para o futuro.

Um futuro que sempre irei querer pra sempre.