quinta-feira, 15 de junho de 2017

Madrugada




Ela chutou a porta, sem mais nem menos. Uma que deveria ser resistente, mas claramente não era. Abriu-se em dois tempos.

O interior era espaçoso e aconchegante, apesar de parecer abandonado. Havia uma poltrona próxima a uma estante de livros cobertos de poeira, mas provavelmente interessantes. Ao lado, dezenas de páginas contendo textos inacabados repousavam numa pequena mesa redonda. Mais adiante, uma coleção peculiar de filmes novos e discos antigos, todos precariamente organizados em gavetas. Alguns instrumentos num canto. Não havia janelas, mas os objetos dali emanavam certa luminosidade.

No geral, uma sala aparentemente desperdiçada. Ela olhou em volta sem muito entusiasmo e se sentiu ligeiramente sufocada. Talvez fosse a falta de janelas.

Ainda assim, acomodou-se na poltrona. Parecia querer ficar.

Dormiu ali por uma semana, sem acordar. Enquanto isso, a sala parecia voltar à vida. A poeira diminuiu e os objetos se reorganizaram lentamente, receosos.

É estranho lidar com rejeição. Principalmente quando não se sabe o motivo. A melancolia se desgoverna e tarda a achar a saída. A dúvida reaparece a todo instante. A memória vai perdendo os detalhes, abrindo espaço para a agonia. Emoções demais, causadas apenas pela falta de reciprocidade que até era de se esperar.

Mas não de se entender.

Acordou, levantou-se, abriu uma gaveta e encontrou uma arma. O sol nascia quando ela a apontou para a própria têmpora.

Uma súbita brisa fechou finalmente a porta. A sala ainda pulsava, novamente vazia.