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quinta-feira, 15 de junho de 2017

Madrugada




Ela chutou a porta, sem mais nem menos. Uma que deveria ser resistente, mas claramente não era. Abriu-se em dois tempos.

O interior era espaçoso e aconchegante, apesar de parecer abandonado. Havia uma poltrona próxima a uma estante de livros cobertos de poeira, mas provavelmente interessantes. Ao lado, dezenas de páginas contendo textos inacabados repousavam numa pequena mesa redonda. Mais adiante, uma coleção peculiar de filmes novos e discos antigos, todos precariamente organizados em gavetas. Alguns instrumentos num canto. Não havia janelas, mas os objetos dali emanavam certa luminosidade.

No geral, uma sala aparentemente desperdiçada. Ela olhou em volta sem muito entusiasmo e se sentiu ligeiramente sufocada. Talvez fosse a falta de janelas.

Ainda assim, acomodou-se na poltrona. Parecia querer ficar.

Dormiu ali por uma semana, sem acordar. Enquanto isso, a sala parecia voltar à vida. A poeira diminuiu e os objetos se reorganizaram lentamente, receosos.

É estranho lidar com rejeição. Principalmente quando não se sabe o motivo. A melancolia se desgoverna e tarda a achar a saída. A dúvida reaparece a todo instante. A memória vai perdendo os detalhes, abrindo espaço para a agonia. Emoções demais, causadas apenas pela falta de reciprocidade que até era de se esperar.

Mas não de se entender.

Acordou, levantou-se, abriu uma gaveta e encontrou uma arma. O sol nascia quando ela a apontou para a própria têmpora.

Uma súbita brisa fechou finalmente a porta. A sala ainda pulsava, novamente vazia.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A Caixa Negra



Não se sabe se era neste ou em outro plano. Sabe-se que havia aquela caixa negra, estreita e sem fim, tida como uma prisão sobrenatural.

Uma prisão para a mente.

Foi onde ele acordou, se é que dormia, e não precisou abrir os olhos para saber onde estava. Encontrava-se de pé e incapaz de movimentar-se. As paredes negras e frias quase coladas ao corpo transmitiam a agoniante sensação de sufocamento. Até o silêncio era enlouquecedor, ao permitir que sua mente gritasse desesperadamente, tentando controlar o caos. Sabia que não havia saída e aceitava esse fato. 

Só não aceitava os motivos.

Não havia espaço para alucinações. Fora subitamente condenado a uma realidade eternamente sufocante e lucidamente insana. E por alguma razão, era incapaz de perder os sentidos. Buscou sua vida nas memórias mas não viu nada. Era como se nunca tivesse existido, ou sempre fizera parte daquela caixa escura, infinita e imóvel. Existindo sozinho onde nem mesmo o tempo o acompanhava, ainda tentou definir o que sentia, uma emoção qualquer. Já não sabia mais se tinha os olhos abertos ou fechados na escuridão absoluta.

Só lhe restava pensar. Teve tempo de desvendar mistérios sozinho; acreditava até mesmo ter descoberto como havia parado ali. As imagens pareciam cada vez mais reais, como se criasse outra realidade.

E criou. Caminhou pelo seu passado antes obscuro, e agora palpável. Tornou-se um espectador de sua própria vida, revendo cada momento nitidamente. Sentindo tudo outra vez. Emoções frias de uma vida vazia. Sentiu sono, como num filme ruim. Sentiu pena. Era tudo tão descartável. Viu-se escravo do tempo e do dinheiro. Viu a morte e as três pessoas que a lamentaram. Viu as palavras na lápide.

Um espectador da própria vida.

domingo, 14 de setembro de 2014

A Arte da Conquista



George era diferente. Autêntico, digamos, mas não era visto assim. Evidente que os populares da escola o achavam estranho, mas por que se importar. Sua mãe e seu padrasto tentaram de tudo para "consertá-lo", em vez de aprenderem algo com ele. Eu, particularmente, me identifiquei com George mais que com qualquer outra pessoa. Ele parecia contar a minha história, mas eu estava longe da sua realidade.

Era mestre em ignorar as tarefas acadêmicas, alegando que tinha coisas mais importantes a fazer com seu tempo. Sinceramente, não sei como alguém pode discordar. Desenhava nos livros de trigonometria, tornando-os infinitamente mais interessantes. Raramente matava aulas, para que fazê-lo nunca perdesse a graça.

Pessoas comuns têm medo de doenças, dor, morte. George tinha medo da vida. Não era suicida, só temia vê-la passar enterrado em trabalho e relações vazias. Ao matar aulas, nunca ia ao mesmo lugar. Buscava experiências que o agregassem cultura, para fazer valer aquele tempo. Observava a cidade sentindo-se uma peça longe do tabuleiro.

Não por opção - era apenas um fato.

Um dia, George conheceu Sally no terraço da escola. Era uma das populares, mas nunca pediu por essa classificação. Ela agradeceu o cigarro e ele a acompanhou até sua casa. Não sei você, mas eu sei onde essa história termina. Ele não sabia, mas sentiu que devia evitar. Tentou, mas falhou. Claro que falhou.

Ele queria começar a pintar quadros, mas sempre que achava que sabia o que pintar, logo vinha o sentimento de que não estaria expressando nada verdadeiro. Tentando ser alguém que não era. E desistia, por ser incapaz de transformar mentiras em arte. Precisava antes encontrar sentido no seu caos interior. Encontrar algo a dizer.

Conheceu um pintor, e achou que era a única pessoa legal que conhecera na vida. Dustin dizia que a dificuldade de saber o que pintar era um bom sinal. Que cada pintura era um processo de morte e renascimento. Disse também que se George ainda não gostasse de Sally, deveria.

George nunca se sentiu superior. Na verdade, sentia que não era ninguém. Sally mudou isso com o tempo, sem saber. Ele passou a ter companhia na mesa do refeitório. Passou a tentar dedicar-se aos estudos.

Até que ela o convidou para uma festa.

Uma aventura necessária aos desviantes, ao menos uma vez. Esquecer a misantropia e arriscar um avanço naquele romance tão claramente impossível. George contava com Sally para ser seu centro de gravidade e ajudá-lo a aturar os figurantes.

Eu nunca vim num lugar desses, ele dizia. Não acreditei nem por um segundo quando ela lhe disse para não se preocupar e prometeu não perdê-lo de vista. Ah, eu entendo dessas coisas. Diferente de Sally, George não foi feito pra dançar. Tentou um pouco, mas logo foi substituído.

Aquela miserável traidora e sádica.

Dizia a todos que eram só amigos. Mas este, Sally, é justamente o problema — responderam. Não escapou aos olhos de ninguém os olhares que George direcionava a ela. E ela tentava convencer a si mesma de que não se tornaria a sua mãe, brincando com emoções diariamente.

Ao menos ela o levou pra casa, depois que ele vomitou e desmaiou na calçada.

Saíram juntos no Dia dos Namorados. Ele detestava aquela palhaçada consumista. Além de estar se sentindo apenas o mais novo dos vários desmiolados que se sentaram frente à Sally naquela data. Não demorou até ela começar a fazer perguntas constrangedoras, e eu me perguntava por que ele não se levantava e ia embora. Na medida que Sally falava "você é meu único amigo de verdade, odiaria estragar isso", pude ver as facas saindo de sua boca e atingindo o peito de George. Aquela miserável traidora e sádica.

Enfim, ele foi embora. Não atendia nem retornava as ligações de Sally, o que eu acreditava ser bastante inverossímil. Ou George era mais esperto que eu, no fim das contas. Prendeu-se à cama e perdeu a força que havia conseguido para dedicar-se aos estudos.

Quando finalmente a reencontrou, beijou-a. Ela esperou uns segundos antes de afastá-lo e abrir a porta. Dustin não pediu desculpas porque sabia o quanto isso seria patético. George olhou para Sally e virou as costas.

Aquela miserável traidora e sádica.

Ele resolveu estudar, como forma de distração. Seu professor de artes esperava uma pintura que gritasse "George" pela sala. Que viesse de dentro. Que fosse verdadeira. E ele começou.

Me orgulhei de George como acho que nunca vou me orgulhar de mim mesmo. Logo quando achei que ele fosse apenas um espelho. Finalmente uniu a motivação ao seu talento. Teve a coragem que eu nunca tive.

Sally disse que precisava vê-lo. Precisava de um amigo. Ele concordou, relutante. Pude sentir seu rosto queimar quando ela disse que iria para a Europa com Dustin. Sua voz mal saiu ao dizer que a amava. Senti sua mão queimar quando ela a tocou. E não a soltou enquanto caminhavam.

A dor diminuiu devagar. George percebeu que o injusto era ele, por não ter dito que a amava antes. "Aquela miserável traidora e sádica". Ambos sabiam que ficariam juntos um dia. Quando resolvessem seus problemas, principalmente os internos.

"Eu também te amo".

George entregou suas tarefas atrasadas. Sua pintura gritava seu nome. Expressava uma verdade simples. O diretor chamou seu nome na formatura. "Tudo é possível". É estranho perceber que clichês como esse às vezes se encaixam na vida de pessoas tão longe do normal.

Sally não conseguiu passar do portão de embarque. Encontrou George na sala de artes, encarando a própria pintura. Postou-se ao seu lado e olhou para si mesma. Nada mal, ela disse.

Nada mal.



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Inspirado no filme The Art of Getting By.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Alegrias impossíveis



Sei onde sua mente está. Sei onde ela tem passado os últimos dias, até meses. Anda vagando bem longe da sua casa, enquanto você decide se tenta trazê-la de volta ou não.

Seus pensamentos não deveriam estar tão longe. Sei o que os atraiu, e infelizmente não foi sem querer. Mas agora se sente confusa, pois as alegrias que sua mente busca estão fora de alcance. E se as pudesse ter, trariam tristezas. Você está presa num dilema bobo, causado por químicas conflitantes.

 Às vezes você fraqueja e desobedece a razão. Pega o telefone e disca os números proibidos. Depois do desabafo e das histórias antigas, vai dormir sentindo-se mais leve. Ao menos enquanto a consciência não pesar, quando sua mente voltar pra casa por um instante.

Mas ela logo viaja outra vez, sonhando com o que não pode ter.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Cinzas, copos e lembranças



Ela sentia falta do desajuste, das situações desconfortáveis, das desilusões. A aventura que era buscar alguém igualmente desajustado.

Já quase não sabia mais o que era sentir-se assim. Acomodou-se, feliz com o que tinha, mesmo querendo mais. Preferia os momentos às pessoas. Eram mais simples e quase não carregavam responsabilidades — características que se encaixavam perfeitamente à sua personalidade.

Mas depois de tantas alegrias e tristezas tristezas principalmente — espremidas em seus vinte e poucos anos, cansou de amar. Abusara do sentimento por toda sua vida, experimentara todas as suas formas e descobriu enfim que não era como queria viver. Ela desistiu do romantismo como quem se cansa de uma música.

Entregou-se ao quarto vazio, carregado de cinzas, copos pela metade e lembranças. Ao se deixar levar pelo folk melancólico que saía do celular jogado na cama, pôde finalmente voltar a sentir as idéias fluindo. Terminou desenhos que havia abandonado, retratando paixões do passado. Começou outros, que mostravam multidões de pessoas solitárias.

Os livros de ficção voltaram a alimentar suas madrugadas. Cada história era uma morte e um renascimento. Aliviavam o terror que era pensar no futuro. E quando não lia, pensava em fugir. Aquele lugar não servia mais, nem aquelas pessoas. 

Sua ambição era transcendental. O que desejava ser e fazer não cabia em seu pequeno corpo. Adoraria transformar todas as histórias que leu em uma só, e vivê-la.

E ninguém a impediria de tentar.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Não era amor




É engraçado quando perguntam algo já sabendo a resposta. No fundo, esperam uma resposta diferente, uma surpresa. Mas ela não vem. Somos todos previsíveis.

Por isso ele veste interrogações e a olha de longe, quando já está mais perto do que deveria. Foge das previsões, bate na porta das inspirações, mas ainda busca as palavras-chave para impressionar. Só que ela também veste interrogações, foge das suas palavras e o deixa desarmado.

O que lhe sobra são devaneios noturnos sobre os dias frios que se seguem. A história não é longa, então uma mesma frase se repete por várias horas de roteiro sem ação. A ação, por sua vez, quase não passa de uma série de olhares.

Mas são olhares que atingem a alma. Olhos que não se cansam do que vêem, nem de tentar atravessar as interrogações. E tampouco sabem quando parar, pois são correspondidos.

O olhar dela também o acompanha, embora ela negue para si mesma. Não entende totalmente o que vê, mas lhe faz bem. Anseia por sua presença, que carrega consigo uma calmaria de dias chuvosos e uma vontade de fugir.

Mas não há fuga de tal situação. Seu fim é incerto, mas previsível como nós. As versões criadas na imaginação não aconteceriam, pois seria trágico antes de ser bonito. E mesmo assim, seguiam se observando.

Não era amor que os ligava, mas era tão forte quanto. 

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Lágrimas




Já podia ver as lágrimas no rosto dela, descendo devagar dos olhos claros. Apareciam como fantasmas, antecipando o fim. Transmitiam sentimentos que não desejava sentir ali. Tornavam mais densa a melancolia do ambiente. E desapareciam em seguida.

E já naquele momento, a despedida que ainda estava por vir mudou de sentido. Passou de um "até nunca mais" para "nos vemos em breve". Foram lágrimas que quebraram barreiras e o atingiram de tal forma, forçando-o a aceitar que havia perdido. A arriscar um futuro fadado ao fim. A crer na exceção.

E as noites. As noites que se tornariam tão solitárias e vazias, dando lugar às memórias felizes que o entristeciam por saber que não poderia mais tê-las no presente. Pensamentos não obedecem vontades. Agradeceu, porém, a capacidade sentimental que possuía; feliz por sentir-se vivo enquanto triste. Esqueceu dos princípios e deixou-se ter esperança. Um sentimento há tanto abandonado graças a uma escolha sábia. Mas o racional pode ser cansativo, e surge a vontade de arriscar.

Se deu conta de que nasceu como um colecionador de histórias. Percebeu que a única lógica que seguia era o rastro delas, pois mesmo os finais trágicos costumam pertencer a grandes histórias. Pessoas e lugares com algo a oferecer eram alimentos de um grande ego que só queria viver, sem se importar com resultados.

Então arriscou. Secou aquelas lágrimas e afastou os fantasmas que ele sabia que um dia voltariam. Ela abriu um sorriso tão real quanto aquela história seria. Um sorriso que ele se dedicaria a manter vivo.

Fez as memórias felizes voltarem, só porque era possível.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Vazio



Os outros dançavam enquanto ele olhava pro nada, visualizando a infelicidade quase palpável de uma solidão acompanhada. Assumiu feições depressivas em busca de pena e conforto, e ninguém se importou. Saiu, envergonhado.

E ele sofreu enquanto a chuva caía lá fora. O som dos problemas era mais alto, e tudo parecia ruir. O que deveriam ser tempos alegres foram tomados por nuvens negras que traziam certa depressão. Os amigos pareciam distantes e ele não sabia por quem viver.

Madrugadas se foram a encarar o teto tentando descobrir a quem amava, pois queria amar de novo. O sofrimento desnecessário mais buscado pelo homem. A confusão o assombrava a cada reavaliação da própria vida, e descobriu que não se conhecia como imaginava. Um romântico sem esperanças transformando-se no que detestava.

O vazio o consumia. Andou contra as luzes da cidade pensando em como nada mais fazia sentido. As noites ficaram sem graça como as músicas que costumavam provocar sentimentos vivos. Ele não sentia mais nada. A barreira que ele próprio criou por proteção agora se voltava contra ele, bloqueando aquilo que o fazia miseravelmente feliz. Aquilo que ocupava sua mente nos devaneios noturnos, vagantes ou chuvosos. Aquilo que o fazia sentir-se vivo, com histórias pra contar.

Tornou-se quase um vício, depois do período de abstinência. Seu desejo o cercava onde quer que fosse, sem tocá-lo. Era torturante vê-lo por todos os lados, onde parecia se posicionar propositalmente. A concentração se tornava mais difícil a cada visão enquanto a mente se deslocava para cada vez mais longe, desobediente.

É preciso que existam demônios para se entender a importância dos anjos. E o que se precisa para seguir em frente é de uma frustração revoltante. Esqueceu então os problemas que eram abafados pelo som da chuva, e viveu como merecia.

Como um homem que sabe por quem viver.



quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Espinhos



Seguia veloz pelas ruas de um lugar desconhecido, ouvindo sempre as mesmas músicas e relembrando breves sensações de uma época impactante de sua vida.

Poucas coisas fizeram sentido naquela história, mas isso se explica pelos fatores envolvidos. Esquivava-se dos rostos embaçados, guiando-se automaticamente para seu destino enquanto seus pensamentos atravessavam oceanos. Mantinha os olhos abertos somente porque não podia prever os obstáculos inconstantes.

Fora vítima de um passado eterno, e sua protagonista vivia constantemente mutável em sua frente, sem saber. Ou sabia, sem se importar. Mas seguia, virando esquinas perigosas e quase trombando com novos futuros assombrosos. Quase?

Acumulou mais alguns, na verdade. Até cair graciosamente num mar de rosas. Os espinhos, só sentiria mais tarde. Delirava com o perfume frio e fatal de uma nova fase que por muito havia esperado. Assustou-se com as primeiras recaídas, a saudade das águas misteriosas que um dia enfrentou. Sentiu que havia adquirido experiência suficiente para guiar-se, mas se recusava a tentar. E se acostumou.

O mar de rosas, apunhalando-o lentamente, era mais agradável.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Lembrança



Noite solitária, a que me encontro. Companhia única e desagradável de fortes ventos uivantes que batem minha janela, e impedem o sono de chegar. Meu rosto refletido a me assombrar, com a expressão de quem perdeu as esperanças.

Encontrei, porém, as lembranças. Tempos aqueles que não voltam mais, mesmo tendo desfilado aos meus olhos e tocado-me o rosto no dia anterior. A frase não dita, a declaração da saudade, não saiu. E o que me restaram foram cenas perfeitas, criadas em uma mente atormentada pelo som da janela.

Invejei o vento incessante e livre. Lá estava eu, comicamente preso e faminto. Fraco, pois a inspiração não alimenta. Entregue, então, às lamentações silenciosas por lembranças sofridas e previsões impossíveis. Lamentações inúteis, embora estranhamente prazerosas.

Vejo a escolha, vejo o erro, vejo o medo. Medo que chama de absurda a escolha ao perceber o erro inevitável. Evito-o ao escolher não agir, e percebo que a culpa é toda senão minha. Foram minhas as decisões que escreveram uma história fantástica sem final feliz.

E não adianta tentar abandonar a lembrança, pois o vento que a representa sempre virá me manter acordado.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Breve, tão breve


Era um sentimento incontrolável, passar a gostar de alguém. Foi preciso se conter para não arruinar tudo com declarações precoces. Mergulhou mais rápido do que deveria e acabou preso ao fundo, vendo-a resistir e flutuar de volta.

A visão o feria. Descobriu uma nova forma de amor não-correspondido, ainda mais torturante. Provava cada vez mais para si mesmo que não havia aprendido nada com os erros anteriores, embora acreditasse nisso. Havia sido ofuscado por uma beleza incomparável, aprisionado naquela armadilha tão conhecida, mas tão bem disfarçada.

Nunca é fácil escapar e encontrar o caminho de volta sozinho. E fica-se ainda mais perdido ao sair. É preciso reaprender a orientar-se em becos de solidão, desconsolado boa parte das vezes.

Sorrindo, recebeu aquele sentimento familiar de solidão indesejada como um velho amigo. Ou foi o que pensou. Pensava ter saudades de tal sentimento antes de reencontrá-lo. As felicidades que passou a conhecer o enfraqueceram, e a depressão já não era tão bem aceita e compreendida. Precisava mudar.

Viu-se então obrigado a dizer adeus àqueles olhos calmos, protagonistas daquele breve futuro alegre. Tão breve, mas tão marcante, agora a tornar-se um passado que esconde passados piores.

Essência viciante, essa que te engana e se esvai.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A menina e o Harry Potter

Estou aqui só pra contar uma breve história que presenciei no shopping da minha cidade, que achei que seria melhor narrar aqui do que no twitter.


Bom, estava eu andando pelo shopping com a minha então namorada, até que entramos numa livraria. Ela sentou numa cadeira perto da porta e eu fui dar uma olhada no lugar onde ficavam os livros que eu gosto mais. Enquanto olhava, ouvi atrás de mim um homem entregando o Harry Potter e a Pedra Filosofal para sua filha - que devia ter entre 10 e 12 anos -, perguntando se ela gostaria de lê-lo. Nesse momento meu pai me ligou, mas me postei ao lado da menina que lia a sinopse na parte de trás do livro, e fingi folhear, por coincidência, o terceiro livro da série Dragões de Éter (que devo ler em breve). Esperei para ouvir a resposta dela ao pai, enquanto ouvia com metade da atenção o que o meu próprio queria me dizer no celular.

Resisti à ânsia de me virar para a tal menina e explicar pra ela o que era a série Harry Potter (cujo nome atualmente transmite certa infantilidade graças aos fãs imbecis, mas que ainda considero parte importante da minha infância e adolescência), e dizer que ela devia ler com certeza. Esperei. Uma onda de orgulho me acertou quando vi a menina levantar os olhos do livro para o pai e dizer-lhe que gostaria, sim, de ler.

Naquele momento eu pude ver o futuro da menina, que se encantaria com o livro exatamente como eu o fiz naquela idade, que passaria suas tardes lendo todo o resto da série, adquirindo certa cultura e consequentemente escapando da futilidade babaca das histórias de vampiros atuais. Foi provavelmente a primeira vez que me recordei da minha infância com certa felicidade, percebendo que realmente tive uma.


Enfim, foi isso. Resolvi escrever isso aqui porque... Bom, porque o blog é meu. Até mais.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

O Leitor



Mergulhava em diversos outros mundos através de palavras impressas em páginas marcadas. Passou as tardes na varanda imerso em histórias envolventes, se sentindo parte delas, enquanto o céu desabava sobre a cidade lá fora. Em momentos como aquele se sentia feliz por encontrar tão fantástica rota de fuga das tempestades metafóricas. Sua personalidade era refletida e construída naqueles livros, naqueles personagens. Aquilo o alimentava, preenchia vazios causados pela abundância de realidade negativa ao seu redor, onde quer que fosse.

E onde quer que fosse, lia. Para esquecer, para lembrar, para viver vidas e histórias que não eram suas, mas eram melhores. Conheceu lugares fantásticos sem sair da sua boa e velha varanda, cuja janela recebia silenciosamente as gotas de chuva que provocavam o ambiente agradável de que tanto gostava. Acompanhado de café e biscoitos, saía de seu mundo triste para onde podia libertar a mente, o que causava sempre uma sensação revigorante ao lhe transmitir novos conhecimentos e muitas possibilidades.

Passava noites em claro em sua cama, iluminado apenas por uma pequena lanterna azul. Lia, madrugada adentro, versos reais ou fictícios de histórias que desejaria viver. O contraste entre tamanhas aventuras frente a sua rotina monótona era absurdo, e o ofuscava. Sonhava em um dia presenciar, ou até mesmo fazer parte de algo que pudesse contar com orgulho para os descendentes. Na verdade já havia conseguido antes, mas o final não foi nada feliz. Queria vencer, ao menos uma vez.

Mas não se deixaria abater. Os livros, em toda sua magia que provinha de algo tão simples e ao mesmo tempo tão poderoso, lhe davam uma ponta de esperança. E não se esforçava para que essa esperança crescesse, pois sabia que a decepção seria maior. Coisas boas nunca duram. Ainda assim, seguia em frente, guiado pelo anseio do conhecimento que o alcançava todos os dias. Sabia que seria útil no futuro, fosse amanhã ou daqui a vinte anos.

Tentou escrever suas próprias fantasias, mas desistiu cedo. Pretendia tentar mais tarde, quando acreditasse que havia amadurecido um pouco mais, e então seria capaz de encantar outros leitores. Leitores que, como ele, não queriam viver o mesmo mundo. Nunca estariam satisfeitos.

Mas ele, apesar de todos os esforços para escapar do seu mundo, nunca se esquecia de viver realmente.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

No escuro da estrada



Em uma noite fria na estrada, todas as músicas ficam melhores. Os pensamentos se clareiam, a vida parece mais simples, a sensação é de imortalidade. É possível aceitar quase qualquer coisa, mas com os limites da mente mais cética. Seria possível viver para sempre, sem rumo, mas sempre em movimento.

Não ter um destino é a parte emocionante. Ser acompanhado apenas pelas estrelas e pela lua que parece lhe seguir, produzindo um aspecto místico. E a cada curva, um renascimento. As idéias vão mudando, e não precisam se manter coerentes para serem precisas. Nada parece dar errado, em contraste com uma vida cheia de erros que fora deixada para trás.

Mas enquanto não lhe há coragem para dar vida a sua mente insana e porém lúcida, permanece onde está, com as mãos em seus bolsos metafóricos, observando de longe as pessoas atravessando lentamente - embora fatalmente - sua vida monótona e depressiva. Pedaços dele os acompanham, girando o mundo sem o seu conhecimento.

Sonhos são seu único refúgio. Pesadelos são seu melhor inferno.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Viagem



E então ele partiu. Sem olhar para trás, sem deixar endereço. Foi embora buscando algo que fosse simplesmente diferente de tudo. Tudo aquilo que já lhe fora apresentado pela vida, tudo aquilo que já não parecia mais tão interessante.

Partiu sem rumo, vivenciando uma das melhores aventuras oferecidas por aquilo que nos cerca, uma aventura almejada por muitos sonhadores sem oportunidade. A vontade de explorar era maior que o medo de fracassar.

Seu lar era sua mente. Nela, ele armazenava tudo o que aprendia e o que conhecia. Coisas novas não paravam de surgir. O mundo pode ser infinito, se souber onde procurar.

Não sentia falta do que ficou para trás. Passou a perceber como sua vida era monótona e infeliz, e como estava preso a ela. Virou outra pessoa ao se libertar. Viu o mundo de outras formas. As pessoas, as paisagens... Tudo parecia mais claro. Mais vivo. Deixaram de ser meros figurantes para fazer parte de algo maior. De uma aventura, uma experiência de vida. Uma vida que já não pertencia a alguém que simplesmente existia.

Pertencia a alguém que passou a viver.

quarta-feira, 16 de março de 2011

O Fim e a Volta do Sempre



"Cansei de você", ela disse, como se fosse algo natural. Os olhos dele encheram-se de lágrimas, se recusando a acreditar. Tudo pelo que ele lutou, se desmoronando à sua frente.

Seu coração parou por um segundo, protestando. Como seguiria em frente? Sua mente perdera todas as respostas. Vinha vivendo uma mentira, e perceber isso fez o medo apoderar-se dele. Suas mãos tremiam. Seu corpo tremia.

Ele se desculpou, sem nem saber o motivo. Só queria consertar tudo, mesmo sem ter idéia de nada. Mas tudo continuava escurecendo, desabando, fugindo de dentro dele.

Mas ele não queria morrer. Queria apenas abraçá-la outra vez. Para sempre. Faria de tudo para recuperá-la, mas estava preso. Seu medo o acorrentou. A felicidade que a mentira alimentava há tempos o abandonou num piscar de olhos. Ela abriu a boca outra vez:

– Mas ainda te amo.

E a esperança respirou novamente.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Esquecido



É impressionante como as pessoas vêm e vão. Todas entraram na vida dele quase que da mesma forma. Algumas se tornaram importantes. Outras, nem tanto. Mas elas saíram de sua vida com a mesma facilidade.

Pessoas que um dia acreditou que as teria ao seu lado por longos anos, hoje passam por ele como se nunca tivesse existido. Difícil acreditar que a amizade delas não valeria a pena, mas parecia verdade. Além de ser frustrante pra ele, que sempre soube escolher seus amigos.

Muitos se foram, mas os melhores ficaram. Sabia que eram os melhores, ou não teriam durado tanto. Se foram algumas vezes, mas sempre voltaram, leais como antes.

Os outros viraram meras lembranças, que vão ficando cada vez mais distantes com o tempo. Apesar do papel importante, mentiram, e o abandonaram. Lembranças.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Dias Negros - Capítulo 2



No fundo, ele sabia que estava certo. Pegou seu casaco longo e preto, e saiu. Vagou pelas ruas desertas, procurando algo que nem ele realmente sabia o que era. Olhou para o relógio: era quase meia-noite.

O calor se foi, substituído por ventos que se arrastavam e o congelavam até os ossos. Ele continuou caminhando, sem rumo e sem idéias. Não viu ninguém, mas sentiu que alguém o via.

Começou a chover. Ele resolveu voltar para casa, e começou a fazer o caminho de volta. A chuva o impedia de ver direito. E foi então que aconteceu.

Um vulto apareceu a alguns metros de distância, à sua frente. Parecia imóvel. Ele parou também, e ambos se encararam. Ficaram ali por um minuto, que pareciam horas. E então, o vulto começou a andar.

Ele não se mexeu. Estava em choque, observando aquele vulto negro andar em sua direção. Mas ele parou.

Apenas três metros os separavam. Começaram a se encarar novamente, mas ainda era impossível identificar seu rosto. Era apenas uma massa negra por trás de paredes de água que caíam com cada vez mais força. A massa agora parecia se dissolver. Ele piscou, e o vulto desapareceu.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Dias Negros - Capítulo 1



Mais uma noite comum e tranquila, apesar de quente. Ele pegou sua bebida e atravessou a sala em direção ao quarto, sentindo o peso dos olhares às suas costas. Continuou caminhando, agora um pouco inseguro.

Retomou sua confiança quando entrou no corredor, saindo do campo de visão de seja lá quem fosse, e virou para o quarto. Totalmente escuro, exceto pela luz da TV. Abriu as janelas para deixar o ar da noite entrar. Olhou para cima e sentiu falta de seu telescópio, meio quebrado e guardado numa caixa em cima do armário.

A lua apareceu por entre as nuvens cinzentas, e ele se lembrou de seu grande amor. Ela devia estar em algum lugar por ali, talvez pensando nele também. Ele tinha certeza que sim.

Assustado, olhou rapidamente para a porta, que havia sido fechada com força pelo vento. A voz das pessoas na sala foram abafadas, o que o deixou agradecido. Ele se deitou, inerte em seus pensamentos, que no momento voltaram a mostrar os dois juntos, caminhando sem rumo pela cidade vazia. Ela sempre aparecia, nas idéias ou em pessoa, preenchendo o vazio que o assombrara a vida inteira. E continuaria aparecendo.

Ele leu até tarde da noite, como gostava de fazer. Lá fora, a chuva havia começado a cair aos poucos, até que virou uma tempestade. As janelas balançavam; ele se levantou e caminhou até a sala, que agora estava vazia. Observou a rua, enquanto tudo era levado e arrastado pelo vento. Tinha a leve sensação de que algo estava errado.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Corações e Mentes



O tempo passa rápido de manhã. As folhas estão caindo, e o vento ainda é gélido. As lembranças pairam sobre mim, se recusando a entrar. Não as culpo.

Acordei meio desorientado, e muito relutante. O tempo passa rápido de manhã. Meu peito doía a cada respiração. Minhas memórias, completamente embaralhadas, tremiam de pavor.


Com tantas manhãs perdidas, minhas lembranças, memórias, também se perderam. O tempo passa rápido e deixa tudo para trás.


As sombras me seguiam enquanto eu caminhava. Respirar ainda me causava dor. O passado de alguém que não o viveu, agora estampado ao meu redor, contra a minha vontade. No presente, quem eu sou sente vergonha de quem eu fui.


E o futuro que me era totalmente oculto, começa a se mostrar.